No dia 28/08/14 dei entrada na Maternidade as 3:50 com
contrações de 2 em 2 min e 6 cm de dilatação.
Já na admissão começou o que seria o fim do meu parto.
Ao passar por 20 min de cardiotoco (deixo registrado que
entendo e concordo com a necessidade do exame), quando vinham as contrações
eram muito incômodas por ter que estar deitadas. A cada contração tinha vontade
de caminhar, abaixar, tudo menos deitar. Numa das contrações vocalizei e disse
"ai ai ai tá doendo". Ao que a enfermeira responde "tá doendo
mas não é minha culpa".
Claro que não é culpa dela. Eu ansiei por essa dor cada
segundo de minha gestação. Eu comemorei cada contração até aquele momento. Era
aquela dor que traria minha filha, cada contração era menos uma entre e e ela.
Não tinha necessidade de tal comentário. E foi naquele momento que percebi não basta estar num dos melhores
hospitais da cidade, que se diz com política humanizada, se a frente está
pessoas desumanas.
Por uma questão de comunicação fui submetida a pelo menos 10
toques. Tudo para provar que minha bebê estava cefálica. Fora o
constrangimento, não é fácil se posicionar para o exame em meio a uma contração
e outra de um TP já em fase ativa.
E implorei por uma USG. Qualquer coisa menos ficar exposta
mais uma vez, correndo risco de edema colo do útero após tantos toques. Mas
não.
Cheguei a ouvir da enfermeira para o plantonista, "vem
avaliar uma paciente aqui pois a bebê passou a gravidez toda pélvica e agora
ela tá dizendo que virou". Ao que respondi "não. Minha filha estava
cefálica o tempo todo, ela virou na ultima semana mas desvirou. Os exames do
pré natal foram feitos aqui podem conferir".
E mais alguns toques.
No pré parto do centro obstetrico me fizeram tirar minha
roupa (uma calça e um roupão). Eu implorei pra ficar pois o ar condicionado
estava baixíssimo (segundo a técnica não dava pra mudar pois o ar era central.
Pedi por um cobertor. Pedi pra ir pro chuveiro pois isso aliviava as dores das
contrações. Tudo me foi negado. Enquanto eu não fosse avaliada (mais uma vez).
Ao receber Buscopan e glicosado na veia eu questionei. Pois
até onde sei a dor faz parte do processo fisiológico do parto. Ao que tive que
lidar com mais uma cena de cinismo "Fulana, vem cá explicar pra ela pq ela
tá tomando Buscopan se a dor é importante na hora do parto"
"O artigo 31 do Código de Ética Médica determina que é
direito da gestante “Decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas
ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida” e a da Lei n.
10.241/1998, em vigor no Estado de São Paulo, determina que a gestante tem o
direito de “Consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com
adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele
realizados"
Eu só queria saber o que e por que eu estava sendo medicada.
Quando me liberaram a delivery foi o primeiro momento de paz
do meu TP.
Pude aliviar as dores das contrações na banheira junto ao
meu esposo, que só apareceu uma hora depois da admissão. A lei nos dá direito a
acompanhante antes durante e depois ao parto, mas parece que fazem de tudo pra
dificultar nesse momento tão importante de nossas vidas.
...
Durante o TP era nítido a preocupação da equipe: a auditoria
pela qual passava o hospital. Creio que processos burocráticos existem mas num
momento como esse esperava um pouco mais de respeito e discrição. Parecia que
eu nem estava ali.
Ao nascer minha filha não veio direto pro meu colo, teve seu
cordão clampeado imediatamente, e não pelo pai como nos foi apresentado na
visita a maternidade.
A pediatra só apareceu na hora que a nenem nasceu. Gostaria
de ter lhe informado meu desejo de não ministrar colírio de nitrato (pois meus
exames estavam todos negativos e eu os trazia comigo), que não fosse aspirada e
nem banhada tão logo quanto nascesse.
Ao conhecer a maternidade nos é vendida a ideia de
humanização. Qua a bebê é levada ao peito tão logo quanto nasce. E posta numa
malha junto ao corpo da mãe estimulando o primeiro contato. E após a primeira
mamada é entregue ao pai num sling com o pezinho carimbado para que enquanto a
mae se recupera também ele tenha um primeiro contato.
Nada disso foi respeitado.
Apenas marcaram o pezinho e dobraram o sling num cantinho.
Minha filha foi extraída de mim, e levada. Depois me foi
mostrada por segundos e levada novamente. Vi quando o pai pegou ela e acuou num
cantinho como se a quisesse proteger.
Tudo isso eu assistia inerte numa realidade distante. Como
que aquele parto não fosse o meu.
Gostaria que ela tivesse sido avaliada em meus braços.
Gostaria que ela tivesse recebido cada gota de nutriente que a placenta ainda
lhe fornecia enquanto seu cordão ainda pulsava.
Cada gota do colírio eu chorei com ela.
Ao ver seu rosto cortado pelo fórceps eu chorei.
Não lágrimas de emoção. Lágrimas de dor. Dor na alma.
Dor de saber que o momento dela de respeito e amor não
existiu.
O amor eu pude proporcionar. Mas respeito passou longe.
Quando a tive em meus braços estimulei a mamada. E assim ela
ficou por longos minutos. Não tenho memória desse momento exatamente pois a
anestesia te leva para um limbo. Mas lembro de seus olhinhos atentos escutando
a mamãe. Toma filha, aqui oh... e ela de pronto aceitou.
Ainda mamando ela me foi retirada. Implorei para que ficasse
comigo mas não "é protocolo da maternidade. 4-6 horas de berçário, mas como
foi PN já já ela sobe. Só o tempo de você tomar um banho"... e lá se foram
mais de 7 horas. Só me trouxeram ela quase 17h (ela nasceu as 8:05). Sofri
tanto no quarto com o bercinho vazio. E as crianças chorando nos outros
quartos. Podem dizer que é besteira minha mas eu só queria ela ali. Comigo.
Ela foi esfregada ao nascer, lhe
banharam ainda no berçário (gostaria que fosse no quarto, junto comigo em seu
1º banho após 24 horas de vida para que ela aproveitasse todos benefícios de seu
vernix (tem cheiro de amor).
...
Na admissão nos foi oferecida a
possibilidade de compartilhar em vídeo o nascimento dela, e fotografia
compartilhada na página da maternidade. Até o momento (7 dias depois a foto não
está lá).
...
Gostaria de poder entender o que
realmente aconteceu.
Não questiono aqui condutas
médicas, apenas o porquê de um hospital que se diz humanizado ter me
proporcionado tal situação quando esse deveria ser o meu momento, o momento da
minha filha, da minha família.
Eu e meu esposo nos sentimos impotentes cada segundo mais.
Seria por que sou uma paciente do
convênio? Seria por que optei pelo parto normal?
Nascimento é vida. É luz.
Não justifica vivenciar tudo
isso.
Nunca imaginei na pior das hipóteses
ter que negligenciar todo conhecimento que tive durante a gravidez, todos meus
desejos e anseios. Todos eles comprovados por evidencias e com base nas
diretrizes do Ministério da Saúde e da OMS.
Fica a certeza que nem mesmo o
direito de parir temos mais.
Normal é se submeter a um
sistema, passar por uma cirurgia desnecessária. Ai sim teremos todos o respeito
da equipe. Afinal que lucro meu PN trouxe ao hospital?
...
No dia 02/09/14 esse mesmo São
Luis - Itaim onde sofri todas Violências Obstétrica possíveis recebeu uma
amiga minha para uma cesárea. Onde tudo que contei parece tão remoto. Será coincidência?
Deixo meu desabafo para que sirva
de lição a futuras mães. Não basta toda informação, não basta empoderamento.
Nada disso quando no primeiro instante teu parto desanda.
Abri mão de tudo. Fui resiliente.
Contado que acabasse logo. Queria me ver livre o quanto antes daquela situação.
Podem me dizer sonhei demais ao imaginar meu parto assim.
Mas ao conhecer todas as maternidades de SP o São Luis se vende a mais humana de todas. Inclusive nas palavras da consultora, "sem tantos protocolos". Mas as circunstâncias ditaram as regras. Faria diferente? Sim. Mas um parto não volta atrás. Nunca mais.
...
Graças a Deus tivemos alta após
48h do parto. E pude retornar ao meu lugar seguro.