quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Um São Luis nada humano



No dia 28/08/14 dei entrada na Maternidade as 3:50 com contrações de 2 em 2 min e 6 cm de dilatação.
Já na admissão começou o que seria o fim do meu parto.

Ao passar por 20 min de cardiotoco (deixo registrado que entendo e concordo com a necessidade do exame), quando vinham as contrações eram muito incômodas por ter que estar deitadas. A cada contração tinha vontade de caminhar, abaixar, tudo menos deitar. Numa das contrações vocalizei e disse "ai ai ai tá doendo". Ao que a enfermeira responde "tá doendo mas não é minha culpa".
Claro que não é culpa dela. Eu ansiei por essa dor cada segundo de minha gestação. Eu comemorei cada contração até aquele momento. Era aquela dor que traria minha filha, cada contração era menos uma entre e e ela. Não tinha necessidade de tal comentário. E foi naquele momento que  percebi não basta estar num dos melhores hospitais da cidade, que se diz com política humanizada, se a frente está pessoas desumanas.
Por uma questão de comunicação fui submetida a pelo menos 10 toques. Tudo para provar que minha bebê estava cefálica. Fora o constrangimento, não é fácil se posicionar para o exame em meio a uma contração e outra de um TP já em fase ativa.
E implorei por uma USG. Qualquer coisa menos ficar exposta mais uma vez, correndo risco de edema colo do útero após tantos toques. Mas não.
Cheguei a ouvir da enfermeira para o plantonista, "vem avaliar uma paciente aqui pois a bebê passou a gravidez toda pélvica e agora ela tá dizendo que virou". Ao que respondi "não. Minha filha estava cefálica o tempo todo, ela virou na ultima semana mas desvirou. Os exames do pré natal foram feitos aqui podem conferir".
E mais alguns toques.

No pré parto do centro obstetrico me fizeram tirar minha roupa (uma calça e um roupão). Eu implorei pra ficar pois o ar condicionado estava baixíssimo (segundo a técnica não dava pra mudar pois o ar era central. Pedi por um cobertor. Pedi pra ir pro chuveiro pois isso aliviava as dores das contrações. Tudo me foi negado. Enquanto eu não fosse avaliada (mais uma vez).

Ao receber Buscopan e glicosado na veia eu questionei. Pois até onde sei a dor faz parte do processo fisiológico do parto. Ao que tive que lidar com mais uma cena de cinismo "Fulana, vem cá explicar pra ela pq ela tá tomando Buscopan se a dor é importante na hora do parto"

"O artigo 31 do Código de Ética Médica determina que é direito da gestante “Decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida” e a da Lei n. 10.241/1998, em vigor no Estado de São Paulo, determina que a gestante tem o direito de “Consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e esclarecida, com adequada informação, procedimentos diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados"

Eu só queria saber o que e por que eu estava sendo medicada.

Quando me liberaram a delivery foi o primeiro momento de paz do meu TP.

Pude aliviar as dores das contrações na banheira junto ao meu esposo, que só apareceu uma hora depois da admissão. A lei nos dá direito a acompanhante antes durante e depois ao parto, mas parece que fazem de tudo pra dificultar nesse momento tão importante de nossas vidas.

...

Durante o TP era nítido a preocupação da equipe: a auditoria pela qual passava o hospital. Creio que processos burocráticos existem mas num momento como esse esperava um pouco mais de respeito e discrição. Parecia que eu nem estava ali.

Ao nascer minha filha não veio direto pro meu colo, teve seu cordão clampeado imediatamente, e não pelo pai como nos foi apresentado na visita a maternidade.

A pediatra só apareceu na hora que a nenem nasceu. Gostaria de ter lhe informado meu desejo de não ministrar colírio de nitrato (pois meus exames estavam todos negativos e eu os trazia comigo), que não fosse aspirada e nem banhada tão logo quanto nascesse.

Ao conhecer a maternidade nos é vendida a ideia de humanização. Qua a bebê é levada ao peito tão logo quanto nasce. E posta numa malha junto ao corpo da mãe estimulando o primeiro contato. E após a primeira mamada é entregue ao pai num sling com o pezinho carimbado para que enquanto a mae se recupera também ele tenha um primeiro contato.

Nada disso foi respeitado.

Apenas marcaram o pezinho e dobraram o sling num cantinho.

Minha filha foi extraída de mim, e levada. Depois me foi mostrada por segundos e levada novamente. Vi quando o pai pegou ela e acuou num cantinho como se a quisesse proteger.

Tudo isso eu assistia inerte numa realidade distante. Como que aquele parto não fosse o meu.

Gostaria que ela tivesse sido avaliada em meus braços. Gostaria que ela tivesse recebido cada gota de nutriente que a placenta ainda lhe fornecia enquanto seu cordão ainda pulsava.

Cada gota do colírio eu chorei com ela.

Ao ver seu rosto cortado pelo fórceps eu chorei.

Não lágrimas de emoção. Lágrimas de dor. Dor na alma.
Dor de saber que o momento dela de respeito e amor não existiu.

O amor eu pude proporcionar. Mas respeito passou longe.

Quando a tive em meus braços estimulei a mamada. E assim ela ficou por longos minutos. Não tenho memória desse momento exatamente pois a anestesia te leva para um limbo. Mas lembro de seus olhinhos atentos escutando a mamãe. Toma filha, aqui oh... e ela de pronto aceitou.

Ainda mamando ela me foi retirada. Implorei para que ficasse comigo mas não "é protocolo da maternidade. 4-6 horas de berçário, mas como foi PN já já ela sobe. Só o tempo de você tomar um banho"... e lá se foram mais de 7 horas. Só me trouxeram ela quase 17h (ela nasceu as 8:05). Sofri tanto no quarto com o bercinho vazio. E as crianças chorando nos outros quartos. Podem dizer que é besteira minha mas eu só queria ela ali. Comigo.

Ela foi esfregada ao nascer, lhe banharam ainda no berçário (gostaria que fosse no quarto, junto comigo em seu 1º banho após 24 horas de vida para que ela aproveitasse todos benefícios de seu vernix (tem cheiro de amor).  
...
Na admissão nos foi oferecida a possibilidade de compartilhar em vídeo o nascimento dela, e fotografia compartilhada na página da maternidade. Até o momento (7 dias depois a foto não está lá).
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Gostaria de poder entender o que realmente aconteceu.
Não questiono aqui condutas médicas, apenas o porquê de um hospital que se diz humanizado ter me proporcionado tal situação quando esse deveria ser o meu momento, o momento da minha filha, da minha família.
Eu e meu esposo nos sentimos impotentes cada segundo mais.
Seria por que sou uma paciente do convênio? Seria por que optei pelo parto normal?
Nascimento é vida. É luz.
Não justifica vivenciar tudo isso.
Nunca imaginei na pior das hipóteses ter que negligenciar todo conhecimento que tive durante a gravidez, todos meus desejos e anseios. Todos eles comprovados por evidencias e com base nas diretrizes do Ministério da Saúde e da OMS.
Fica a certeza que nem mesmo o direito de parir temos mais.
Normal é se submeter a um sistema, passar por uma cirurgia desnecessária. Ai sim teremos todos o respeito da equipe. Afinal que lucro meu PN trouxe ao hospital?
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No dia 02/09/14 esse mesmo São Luis - Itaim onde sofri todas Violências Obstétrica possíveis recebeu uma amiga minha para uma cesárea. Onde tudo que contei parece tão remoto. Será coincidência?
Deixo meu desabafo para que sirva de lição a futuras mães. Não basta toda informação, não basta empoderamento. Nada disso quando no primeiro instante teu parto desanda.
Abri mão de tudo. Fui resiliente. Contado que acabasse logo. Queria me ver livre o quanto antes daquela situação. 
 
Podem me dizer sonhei demais ao imaginar meu parto assim. 
Mas ao conhecer todas as maternidades de SP o São Luis se vende a mais humana de todas. Inclusive nas palavras da consultora, "sem tantos protocolos". Mas as circunstâncias ditaram as regras. Faria diferente? Sim. Mas um parto não volta atrás. Nunca mais.

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Graças a Deus tivemos alta após 48h do parto. E pude retornar ao meu lugar seguro. 







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